sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

"ARREPENDEI-VOS E CREDE NA BOA NOTÍCIA."

ICJ/ES – INSTITUTO CAPIXABA DE JUVENTUDE / ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

NOSSA ESPIRITUALIDADE BÍBLICO-LITÚRGICA


1º. DOMINGO DA QUARESMA – 01.03.2009


“ARREPENDEI-VOS E CREDE NA BOA NOTÍCIA.”


“Lavai-vos, purificai-vos, a maldade de vós tirais. O mal deixeis de lado, vosso olhar ao bem voltai.” Márcio Pimentel (La Paz – Bolívia), CD Em Cantar, 2005.

Para início de conversa


Neste primeiro domingo da Quaresma, o Evangelho pode ser dividido em dois momentos: 1. Jesus no deserto: a tentação. 2. Jesus na Galiléia: “o tempo se cumpriu, e o Reino de Deus está próximo. Convertam-se e creiam no Evangelho”.
O Espírito, do qual Jesus está repleto, o impulsionara para o deserto; o Filho de Deus se deixa levar pelo Espírito. Acreditamos que todos, todas, que se deixam levar pelo Espírito de Deus, são filhos e filhas de Deus.
O deserto é o lugar de encontro com Deus, é o local onde se experimenta Deus.
A cada passo que damos ao proclamarmos e refletirmos o Evangelho, a obra vai revelando quem é Jesus. É na Quaresma que temos a oportunidade de fazermos uma revisão de vida para conhecermos e entendermos o que significa ser cristão hoje em dia, e qual a nossa missão enquanto membros da comunidade eclesial?
As primeiras palavras de Jesus, o seu programa, a sua pedagogia e sua prática libertadora aparece no Evangelho de Marcos a partir de uma vaga indicação de tempo: a prisão de João Batista; de espaço: ele se dirigiu do deserto, onde pode fazer o discernimento de sua missão, para a Galiléia onde segundo o texto bíblico proclamou a boa notícia de Deus.
O Evangelho de hoje, é um apelo e um convite para entrarmos no deserto de nossa solidão; para o nosso retorno à consagração do reino, deixando-nos seduzir e conduzir pelo Espírito.

Contextualizando a vida com o Evangelho do Dia do Senhor – Mc 1, 12 - 15.

Jesus foi para o deserto, inspirado pelo Espírito Santo para fazer um discernimento, quando retorna de lá se encaminha para a Galiléia onde dará início ao seu plantio da boa notícia. Ele mesmo confirma: “Cumpriu-se o prazo e está próximo o reinado de Deus: arrependei-vos e crede na boa notícia.”
O Evangelho está cheio de simbologia: “Imediatamente o Espírito o levou ao deserto, onde passou quarenta dias, posto à prova por Satanás.” O deserto é o local do encontro com Deus: os 40 dias fazem memória do tempo que durou o dilúvio e da nova humanidade que surge com a família de Noé; Israel foi provado durante 40 anos; Moisés esteve na montanha jejuando durante 40 dias e 40 noites para receber a Primeira Aliança; Elias permaneceu 40 dias na montanha, depois provocou mudanças radicais no Reino do Norte com a profecia inspirada por Deus. Podemos concluir que em Jesus, tudo recomeça, é selada uma nova Aliança e se aproxima uma mudança muito mais radical para a vida do povo.
Nos 40 dias que permaneceu no deserto, defronta-se com o grande adversário do reino de Deus: Satanás, que significa adversário = sistemas e pessoas que são contrárias ao projeto de Deus anunciado e realizado na prática e no anúncio de Jesus.
Está próximo efetiva e afetivamente o reinado de Deus. Arrependimento e fé são alicerces da comunidade, do mutirão, que escreve o Evangelho de Marcos.
O que acontece com Jesus quando este fica sabendo que João Batista foi preso por ter incomodado a Herodes Antipas, por ter mexido com os interesses e privilégios dos poderosos?
Jesus também não se deixará intimidar pelos poderosos, pelo contrário, lutará contra todos os mecanismos que fazem brotar a morte para o povo. A prática mostrará que todos que lutam pela vida, sofrem o martírio.
A Galiléia é o chão, o lugar social onde Jesus inicia sua atividade. Uma região onde todas as culturas se misturavam, por se tratar de passagem para outros territórios e por ser terra de livre comércio, por tanto marginalizada por grande parte dos judeus que viviam nos arredores de Jerusalém, pelos saduceus, fariseus e escribas. Era lugar de gente sem valor e impura aos olhos da classe dominante. É a partir desta gente excluída que Jesus anuncia sua prática, sua pedagogia, o seu programa de vida em três momentos: 1. O tempo já se cumpriu, portanto, a espera da libertação chegou ao fim. 2. O reinado de Deus está próximo, pois seus discípulos e discípulas praticam atos libertadores continuando assim o que o Mestre anunciou e fez. 3. A conversão e a fé na boa notícia, leva a comunidade se tornar realidade e firmar um compromisso com a vida.
Eis que surge no horizonte uma pergunta que incomoda a todos, todas nós hoje: como esta Palavra pode nos ajudar a viver este tempo de Quaresma?
A Quaresma é tempo de conversão, e a conversão se realiza em dois níveis que se completam: o pessoal e o comunitário. No nível pessoal, o ser humano busca analisar a própria vida tentando reconhecer suas fraquezas para transformá-las; anseia por experimentar um relacionamento profundo com Deus e com os irmãos e irmãs, para que cresça e supere sua condição atual. No nível comunitário, tudo se transforma a partir da tomada de consciência e da responsabilidade frente as estruturas de pecado.
A paz é fruto da justiça, mas se não enfrentamos nossas tentações interiores durante toda a nossa vida, nenhum resultado encontraremos no final da estrada. A luta contra o pecado dura toda a nossa vida. A gente não luta sozinho. Estamos em comunidade, lutamos juntos, assim somos mais fortes na luta contra o mal. Ao vencermos a força do diabo, anunciamos a boa nova. A exigência é a conversão. E esta não acontece de uma hora para outra, mas se leva a vida inteira. Conversão é mudança de rumo, é sair do egoísmo e da preguiça, da ambição do poder e da riqueza, é vencer a cada dia os obstáculos e as tentações, somente assim o reino irá acontecer. É a conseqüência natural do nosso Batismo.
Lembro-me de um encontro do Conselho de Leigos, onde D. Aldo, bispo emérito da Diocese de São Mateus/ES, falava da sua vocação e da sua conversão diária: “Todos os dias, quando abro meus olhos e tenho a graça de contemplar a Criação e a vocação de servir ao povo, busco a conversão para continuar firme na caminhada. Todos os dias me coloco em xeque-mate frente a Deus e ao Povo; por causa deles todos os dias me renovo me questionando: tenho sido fiel ao reino, ao sangue dos mártires? Se sinto a menor chance de dúvida em meu coração, me ajoelho e peço que o Espírito ilumine o caminho por onde Deus me manda caminhar...todos os dias me pergunto se realmente tenho sido uma simples ferramenta na engenhosa máquina da defesa da vida? A resposta, continuo buscando estando junto com o Povo.”


Emerson Sbardelotti

Autor de O MISTÉRIO E O SOPRO – roteiros para acampamentos juvenis e reuniões de grupos de jovens. Brasília: CPP, 2005.
Autor de UTOPIA POÉTICA. São Leopoldo: CEBI, 2007.
Membro do Grupo de Assessores da Pastoral da Juventude da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo.

Msn: emersonpjbes@hotmail.com
Blog: http://omisterioeautopia.blogspot.com/

Ilustração de Maximino Cerezo Marredo (http://servicioskoinonia.org/cerezo/)

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

"FALO CONTIGO, LEVANTA-TE, TOMA TEU LEITO E VAI PARA CASA."

ICJ/ES – INSTITUTO CAPIXABA DE JUVENTUDE / ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

NOSSA ESPIRITUALIDADE BÍBLICO-LITÚRGICA


7º. DOMINGO DO TEMPO COMUM – 22.02.2009


“FALO CONTIGO, LEVANTA-TE, TOMA TEU LEITO E VAI PARA CASA. ”


“E foi assim que aprendi e não esqueço jamais: eu tive pais entrevados, mas o meu lar tinha paz...” Pe. Zezinho – CD Os Melhores Momentos, Paulinas.

Para início de conversa

No Evangelho de hoje, um paralítico é levado à presença de Jesus, mas a casa onde o Mestre se encontrava, estava cheia de gente, povo de Deus, procurando escutar uma palavra de esperança, de paz e amor. O defeito físico na época de Jesus era considerado um castigo de Deus, fazendo com que a pessoa se sentisse rejeitada pela sociedade e por Deus.
A comunidade faz o memorial do confronto entre a casa e a sinagoga, entre o poder de Jesus e o poder dos fariseus e letrados. O povo já sabe que aquele carpinteiro tem autoridade muito superior a de seus líderes. Ele tem um ensinamento novo: ele expulsa o mal mais profundo (a pessoa possuída), ele toca e a febre passa (a sogra de Pedro), ele sente compaixão e por causa do seu toque a lepra desaparece. Os fariseus e os letrados dominavam a Lei, eram especialistas da Lei, mas não curavam os males que afligiam emocional e socialmente o povo.
Só Deus poderia perdoar o pecado do ser humano.
Jesus toma o caminho mais difícil: “Filho, teus pecados são perdoados.” Ele reivindica esse poder na terra, como ser humano, pois, o recebeu de Deus. E este fato o situa em pé de igualdade com Deus.
Para os fariseus e letrados, expiar os pecados deveria estar baseado num culto onde se tem necessidade de sacrifícios; que se tornava incapaz de devolver a vida. Por causa da dureza dos corações daqueles que estavam amparados na Lei, Jesus faz o mais fácil: “Falo contigo, levanta-te, toma teu leito e vai para casa.”

Contextualizando a vida com o Evangelho do Dia do Senhor – Mc 2, 1 - 12.

Em muitas passagens da Bíblia, quando se fala em impuro, vem à mente que tal indivíduo seja um pecador, alguém que cometeu alguma falha moral. Nem sempre foi assim. Nos primórdios a Lei continha nela dois sistemas: o da mancha; e o da culpa. A mancha era relativa a doenças, onde as pessoas deveriam ser separadas para se evitar o contágio. A culpa era relativa aquelas pessoas que eram censuradas por comportamento moral inadequado, de fato pecadoras. Acontece que, com o passar do tempo, esses dois sistemas se fundiram. O resultado foi desastroso: os doentes, aqueles que possuíam algum tipo de manchas ou defeitos físicos, como o paralítico do Evangelho, foram vistos como culpados de alguma coisa imoral. Isso aumentava ainda mais a rejeição e a baixa estima. Era a solução para que os poderosos, os que tinham saúde, não se preocuparem com o bem-estar daqueles em estado de necessidade. Jesus cura uma vítima dessa dupla rejeição. Ele oferece a paz para que antes que volte a andar, primeiro se volte para Deus. É o sentido da palavra religião: religar-se. No Evangelho, Jesus religa este paralítico a Deus. Jesus apresenta diante do povo e de seus líderes, um ser humano doente mas que está isento de qualquer culpa.
Os fariseus e os letrados irão acusá-lo de blasfemador, pois somente Deus tem o poder para curar. A blasfêmia era punida com a sentença capital: a lapidação. Eles analisam a prática de Jesus a partir de um passado onde não há novidade, algo que está enclausurado por Deus. Há no fundo o problema da responsabilidade assumida frente à vida e a morte do ser humano. Os fariseus e letrados nada fazem por aquele paralítico, apenas explicam a situação, não se sentem responsáveis por aquele ser, não se comprometem amorosamente com ele. Mas Jesus nos mostra que aquilo que até então se acreditava estar separado de Deus no céu, agora se faz assunto confiado ao Filho do Homem na terra: o compromisso e a defesa em favor da vida; o que será inevitável em toda a caminhada de Jesus neste Evangelho.
Os males que atingem e afligem o povo hoje, não são oriundos de Deus. Para vencer estes males é preciso muita solidariedade, para com aquele, aqueles que sofrem. O que seria do paralítico sem aqueles quatro seres humanos que o ajudaram? Que sem medo de serem vistos ou chamados de ladrões, só estes tirariam o telhado de uma casa, por amarem profundamente aquele que estava entravado numa cama, foram criativos o suficiente para que Jesus reconhecesse neles a fé que possuíam. E vai a raiz da paralisia e do preconceito: o pecado é vencido com o perdão. Este ato conjunto fez com que o caminho fosse aberto para a superação das maldades que escravizam os seres humanos. A coragem rendeu-lhe o perdão do Mestre.
A cura não está mais nos templos, nos locais sagrados, nos ritos, mas está em qualquer lugar que o ser humano venha a sofrer por causa da maldade no coração do próprio ser humano. Deus partilha em Jesus e ele conosco, a sua responsabilidade e o seu poder em favor da vida. Nada mais importa para o Deus de Jesus que não seja a vida.

EXTRA PAUPERES NULLA SALUS!

Não há salvação fora dos pobres, pois estes estão na herança de Jesus.
E nós, fazemos parte desta herança? Quantas são as vezes que pedimos perdão por nossos atos? Quantas vezes nos deixamos paralisar pela violência que contamina e assola a sociedade em que vivemos e nada fazemos? Quantas vezes somos ou fomos criativos ao ponto de arrancarmos os telhados de nosso egoísmo, de nossa mesquinhez, de nossa intolerância e jogamos fora, para longe, onde nunca mais possa ser experimentado novamente, em favor do outro que está doente mas que busca a paz?

Tive uma aluna, a alguns anos atrás que era paralítica, dependia de várias pessoas para ajudá-la a chegar na escola, a entrar na sala, para ir ao banheiro...mas, como era inteligente, como prendia a atenção de todos ao seu redor, não por estar numa cadeira de rodas, mas por seu sorriso e bondade nas palavras com todos que cruzavam seu caminho, como mantinha em seus olhos a chama insistente da vida... sem nunca culpar a ninguém por estar daquele jeito, sem nunca levantar a voz para zombar de alguém...era simplesmente repleta de paz e feliz. Que orgulho senti quando soube que havia passado em um vestibular muito tempo depois de ter terminado o ensino médio, e ainda mais por ter conseguido estar entre os três primeiros lugares, por continuar a sorrir, por continuar bondosa e com seus olhos em brasa...brasas da vida.

Emerson Sbardelotti

Autor de O MISTÉRIO E O SOPRO – roteiros para acampamentos juvenis e reuniões de grupos de jovens. Brasília: CPP, 2005.
Autor de UTOPIA POÉTICA. São Leopoldo: CEBI, 2007.
Membro do Grupo de Assessores da Pastoral da Juventude da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo.

Msn: emersonpjbes@hotmail.com
Blog: http://omisterioeautopia.blogspot.com/
Ilustração de Maximino Cerezo Marredo (http://servicioskoinonia.org/cerezo/

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

"SE QUERES, PODES CURAR-ME...PODES PURIFICAR-ME."

ICJ/ES – INSTITUTO CAPIXABA DE JUVENTUDE / ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

NOSSA ESPIRITUALIDADE BÍBLICO-LITÚRGICA

6º. DOMINGO DO TEMPO COMUM – 15.02.2009


“SE QUERES, PODES CURAR-ME...PODES PURIFICAR-ME. ”


“Existirá e toda raça então experimentará para todo o mal, a cura.” Lulu Santos – CD Toda Forma de Amor – RCA.


Para início de conversa

No Evangelho de hoje, o nome de Jesus não aparece em nenhum momento, mas está implícito como sujeito dos verbos e pronomes e, também não aparecem os discípulos, mas ele aparece acolhendo um marginalizado da sociedade de seu tempo: um leproso. Este, condenado ao isolamento, se aproxima de Jesus; de onde brotará tamanha coragem para fazer algo que estava socialmente proibido?
O leproso era afastado do convívio humano, como se fosse habitado por um mau espírito. A Lei o colocava nesta condição: impuro.
Ao tocar o leproso, Jesus rompe com a Lei; indignado, irado, com compaixão estende a mão e o toca, automaticamente, também se torna um impuro e não pode mais entrar nos povoados, transgride ele também a Lei; mas o povo também marginalizado, de toda parte vinha para procurá-lo, pois sabia, assim como o leproso que, sua vida e sua libertação, não dependiam do Templo, nem de seus sacerdotes. O poder da cura, da purificação, não vinha da religião mas sim de Jesus. O leproso e o povo se aproximam de Jesus para serem curados, mesmo que seja preciso violar a Lei. Ele se revolta contra o código de pureza, que em nome de Deus, marginalizava as pessoas, considerando-as como mortas.
Na sociedade do tempo de Jesus levamos em consideração que não é certo que se tratasse de lepra em sentido clínico, porém, uma enfermidade grave da pele, que provocava impureza legal e impossibilitava a pessoa de participar e conviver em comunidade.
Cura-me tem o mesmo sentido de limpa-me ou purifica-me.
Curar um leproso era o mesmo que ressuscitar um morto
Jesus quis o mesmo que o leproso queria, pois era o mesmo que Deus quer: vida plena para todos, para todas. Querer já é, de fato, um primeiro passo para descobrir maneiras de poder fazer o que é preciso.

Contextualizando a vida com o Evangelho do Dia do Senhor – Mc 1, 40 - 45.


Na sociedade do tempo de Jesus, todo leproso era considerado como um morto e contra ele se manifestava o julgamento de Deus, pois sua impureza era uma ameaça mortal contra toda a vida. O sofrimento era muito maior com a solidão e com o fato de ser marcado como ameaça para a vida de todo o povo. Jesus o acolhe e o toca, torna-se leproso e fonte de contaminação. O Filho de Deus, o Messias foi morar com os marginalizados. Este é Jesus que a comunidade de Marcos quer mostrar e quer seguir: aquele que rompe com a religião dos saduceus e fariseus, e arma sua tenda entre os banidos. A cura tinha de ser testemunhada oficialmente: os sacerdotes diagnosticavam, não curavam. Os sacerdotes só podiam declarar ritualmente puro quem tinha sarado de sua lepra, admitindo-o assim oficialmente à comunidade, porém não tinham o poder de dar-lhe a saúde. E ainda, o leproso tem que oferecer vários sacrifícios. O sacrifício para Jesus, tem um caráter de denúncia e de abolição do código da pureza.
Ao anunciar o que havia acontecido, Jesus não pode mais entrar em nenhuma cidade ou povoado, pois o código de pureza era bem claro. O povo vai por toda parte procurando por Jesus, é sinal de que a novidade do Reino está aberta e seu ponto de chegada é Deus. Mas Deus, a partir deste toque de Jesus, só será encontrado na clandestinidade, entre os que o sistema religioso e social discriminou. E hoje? Há discriminados no nosso meio? Há pessoas vivendo na clandestinidade social por serem portadoras de alguma doença? O que estamos fazendo por elas? Quem são estas pessoas? Quem as marginaliza?
Construir uma sociedade sem exclusões leva tempo, mas não é impossível. Construir uma sociedade onde todas as pessoas possam exercer seus direitos e desenvolver seus talentos, é missão de todos nós, como diria a canção do Zé Vicente. Para Jesus não interessa dar um grande show da fé, mas, vale mesmo a consistência da mensagem e a firmeza do seguimento pois o final de sua vida será de perigo e cruz.
Recentemente, recebi a notícia de que um ex-aluno estava muito doente e estava internado num hospital especializado em trabalhar com e cuidar de portadores do HIV. Escolhi um dia da semana e fui fazer uma visita, ele havia acabado de ter uma crise muito forte, sua família, mesmo com todos os remédios sendo fornecidos pelo Governo Federal, não tinha condições para mantê-lo no hospital, os amigos não o visitavam mais, estava sozinho e triste, e isso fazia com que suas defesas caíssem ainda mais. Eu me lembrava daquele jovem, era bem forte e esbanjava vida, estava agora numa cama e triste, como dizem, esperando a morte...conversamos sobre a morte mas tentei lhe falar da vida. Aprendi muito naquele dia sobre a morte e sobre a vida. Sobre ter tempo para recomeçar e de não recomeçar. Nos abraçamos demoradamente e ele chorou, ninguém de fora da família o abraçava mais, ninguém o tocava mais, ninguém o desejava mais, como amor, como amante, como amigo, como irmão...naquele momento me senti incapaz de qualquer outro gesto que não fosse o abraço e permanecemos em silêncio, ouvíamos o som de nosso choro e as batidas de nossos corações...ele apenas me pediu quando eu estava saindo que rezasse por ele pois tinha medo, eu respondi que rezaria, mas que ele soubesse que todos nós temos medo...e é por querer vencê-lo que a cada tropeço nos levantamos e seguimos em frente, nos aproximando um pouco por dia da cruz com a sensação de que anunciar é preciso, viver não é preciso...mas é preciso.


Emerson Sbardelotti

Autor de O MISTÉRIO E O SOPRO – roteiros para acampamentos juvenis e reuniões de grupos de jovens. Brasília: CPP, 2005.
Autor de UTOPIA POÉTICA. São Leopoldo: CEBI, 2007.
Membro do Grupo de Assessores da Pastoral da Juventude da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo.

Msn: emersonpjbes@hotmail.com
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Ilustração de Maximino Cerezo Marredo (http://servicioskoinonia.org/cerezo/

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

"VAMOS ÀS ALDEIAS VIZINHAS, PARA PREGAR TAMBÉM AÍ, POIS VIM PARA ISSO."

ICJ/ES - INSTITUTO CAPIXABA DE JUVENTUDE / ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
NOSSA ESPIRITUALIDADE BÍBLICO-LITÚRGICA

5º. DOMINGO DO TEMPO COMUM – 08.02.2009

“VAMOS ÀS ALDEIAS VIZINHAS, PARA PREGAR TAMBÉM AÍ, POIS VIM PARA ISSO.”

“Vejam, do meu Pai, a vontade, eu cumpri passo a passo. Foi pra isso que eu vim. Dores, enfrentei a maldade, mesmo frente ao fracasso, eu mantive o meu sim.” José Thomaz Filho & Frei Fabreti – CD Missas – Paulinas.


Para início de conversa

No Evangelho deste domingo encontramos Jesus saindo da sinagoga, num sábado, e indo se hospedar na casa de Simão e André. A sogra de Simão, segundo o texto, estava de cama com febre. O povo do tempo de Jesus acreditava que a febre, como qualquer outra doença, tinha origem demoníaca, coisa terrível, que imobilizava as pessoas, deixando-as paradas, desligadas do que estava acontecendo ao redor. Se na sinagoga um homem se torna testemunho da presença do Reino em Jesus, agora, por intervenção dos discípulos em favor da sogra de Simão, uma mulher recebe a presença do Reino nela, e na casa onde mora. Jesus não discrimina. Ele se aproxima, toca em sua mão e a levanta. Essa é a novidade do Reino: o Deus de Jesus se aproxima do povo pobre, simples, excluído, maltratado e doente e o toca...com carinho, com compaixão, com querença...e o levanta. A sogra de Simão é a primeira mulher a ser beneficiada pelo poder curador de Jesus, transmitido pelo contato da sua mão. Jesus é aquele que se associa às pessoas, fazendo-as caminhar com as próprias pernas, tornando-as sujeitos do próprio agir e da própria história. E o texto é claro: “A febre passou e ela se pôs a servi-los.” É bom lembrar que naquele tempo, doente e endemoniado se tornavam sinônimos, pois devem ser vistos a partir de uma cultura que não tinha medicina desenvolvida e interpretava todo tipo de mal ou de diabólico com conceitos religiosos. Mesmo com todo o desenvolvimento científico e com as conquistas de hoje, é preciso ter a consciência de que a saúde é um bem e que todos devem a ter em abundância; e que a doença é um mal que deve ser vencido com a união de toda a sociedade. Nós ainda hoje temos doenças curáveis matando pessoas que não têm acesso a remédio, hospital, saneamento básico, alimentação saudável.
Lembro-me do lançamento do livro Mística e Espiritualidade, de Leonardo Boff e Frei Betto, e de uma frase deste último que me deixou bastante inquieto: “Enquanto as pessoas dos países mais desenvolvidos do Planeta lutam para fazerem valer os direitos humanos, nós, aqui no Brasil, na Nossa América, nos países empobrecidos, estamos lutando pelos direitos animais...comer, beber, se vestir.” Até quando irá perdurar esta situação?
Jesus levanta a sogra de Simão; levanta todo o povo que andava doente. Jesus devolve a dignidade para aquela mulher que se colocou a serviço do Reino imediatamente. Essa é a novidade do Reino: não se consegue ficar parado, admirando o fato, pelo contrário, para testemunhar a libertação deve-se colocar a serviço do libertador que toca, cura e salva tocando. Um toque com amor pode mudar a nossa vida para sempre. Um toque pode fazer com que todos, todas, de forma consciente e humilde possam construir com mais garra, uma sociedade fraterna e justa, onde ninguém morra por causa de doenças curáveis, das filas nos hospitais e do descaso das autoridades políticas com a saúde do seu povo.
O que tudo isso significa para os discípulos que estão no inicio da sua caminhada com Jesus? E para nós discípulos e discípulas, povo de Deus? O que aprendemos com todos estes sinais? Jesus nos ensina a agir: tocar as pessoas, tomar os doentes pela mão e ajudá-los a levantar. Como tem sido esta nossa ação na comunidade? Como tem sido experimentar nas conquistas da comunidade e do povo, a sensação de sermos erguidos por Jesus? Temos passado isso adiante?

Contextualizando a vida com o Evangelho do Dia do Senhor – Mc 1, 29 - 39.


Na frente da casa de Simão, à beira da porta, doentes e possuídos esperam ser tocados por Jesus, esperam ser erguidos por ele, para que possam servir com dignidade ao Reino. E ao entardecer daquele dia, quando o sol se pôs, muitas pessoas foram levadas até ele. O tema do silêncio aos demônios que possuíam as pessoas retorna. Falar quem ele é leva maturidade e aprendizado na fé, na adesão à boa nova; isso só terá resultado depois que o discípulo abraçou para ele a mesma herança do Mestre: a cruz. Jesus será mais feliz em casa e irá provocar conflitos na sinagoga, será assim por todo o Evangelho de Marcos, o que lhe renderá acusações e a decretação de sua morte. O texto nos diz que Jesus se levanta de madrugada, se dirige para um lugar despovoado e ali orou. Ele não se julga tão completo e forte a ponto de dispensar uma conversa íntima com o Pai. Oração é como a tomada que nos liga à força de Deus. Todos, todas nós, precisamos da oração. Oração é apenas oração. Oração não é prece, nem louvação. Oração não é ação. O serviço não é oração. A luta pelo Reino não é oração. Oração é apenas oração. Ele se afasta para poder rezar, para manter viva a comunhão com o projeto do Pai, que é diferente do projeto da sinagoga, do rei Herodes, do Império Romano. O texto não diz o que Jesus orou, mas o fez no início do novo dia, o domingo, o dia de sua atividade libertadora. Mas podemos dizer que para a oração só podemos levar aquilo que somos, para que Deus nos ajude a ser cada dia melhores sem pisar ou querer o mal do outro. Para conversar com Deus não é preciso falar, mas, escutar/auscultar Deus. Ele tem muitas coisas para nos dizer hoje em dia, pena que só estamos acostumados a ouvir e não a escutar. O Evangelho insiste em mostrar a dureza no coração dos discípulos, que querem fazer de Jesus uma figura popular e poderosa. Jesus vence a tentação de ser popular pois compreende em seu coração que o caminho da libertação passa pela entrega total da vida na cruz. Cafarnaum fica para trás. A Galiléia agora é o palco de sua pregação, irá a todos os lugares, irá conversar, sorrir, pescar, se emocionar, até estar totalmente pronto para o fim de sua missão e se encaminhar para Jerusalém: a cidade que mata os profetas. É a conseqüência do compromisso assumido com sinceridade. A urgência é evangelizar. Evangelizar é um serviço e não um título de glória ou palanque eleitoreiro. Jesus se preocupou em evangelizar falando para os que tinham estudos e para os mais simples, aprendeu com estes a entender um pouco mais a vida.

Emerson Sbardelotti

Autor de O MISTÉRIO E O SOPRO – roteiros para acampamentos juvenis e reuniões de grupos de jovens. Brasília: CPP, 2005.
Autor de UTOPIA POÉTICA. São Leopoldo: CEBI, 2007.
Membro do Grupo de Assessores da Pastoral da Juventude da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo.

Msn: emersonpjbes@hotmail.com
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Ilustração de Maximino Cerezo Marredo (http://servicioskoinonia.org/cerezo/